Ferramentas são instrumentos que nos servem como extensões de nossos corpos, para desempenharem uma determinada função que nos é impossível devido à limitações físicas. Por exemplo: uma faca, que age como uma extensão de nosso braço, serve para cortar já que não possuímos garras. Assim o ser humano é o único animal da natureza que precisa criar meios para suprir suas carências físicas. Enquanto os outros animais possuem, já em essência, os meios fornecidos pela natureza para existirem.
Mas não é apenas o físico que apresenta certas dificuldades existenciais. O psicológico também. E nesse sentido, que os filósofos Alain de Botton e John Armstrong, apresentam em seu livro Arte como terapia, a ideia da Arte como um instrumento para uma vida mais plena. A arte como forma de suprir algumas carências no campo psicológico e das relaçoes sociais. São 7 fragilidades apontadas pelos autores:
1) Rememoração
Somos naturalmente ruins para lembrar até mesmo de coisas importantes e significativas. Segundo esses autores, nosso primeiro apelo ao registro veio com a escrita, depois com a arte. Mas penso que as pinturas rupestres também podem ser consideradas uma forma de registro. Assim a arte torna memorável uma experiência e nossa percepção dela.
Não basta estar presente no show, precisamos fotografar, registrar. Precisamos comprar o artesanato de lembrança do lugar visitado. E até por mais traumatizante que possa ser, filmar a tragédia na hora em que ela acontece, pois somos muitas vezes incapazes de verbalizar algo, seja ele horrível ou belo demais.
Um estilo de arte é um registro histórico de um determinado período. A arte é a leitura mais fácil do espírito de um tempo.
2) Esperança
Somos demasiadamente sensíveis às coisas ruins da vida. E ao sermos bombardeados diariamente pelos noticiários, e pelas timelines de redes sociais, com tragédias e escândalos, é natural acreditarmos que o mundo é um lugar ruim.
As coisas belas, então, surgem como um alívio e um sinal de esperança. Apesar de serem muitas vezes banalizadas por uma falsa ideia de racionalismo, vinda daqueles que criticam “memes” floridos de “bom dia”. Essa beleza das coisas “bonitinhas” não são necessariamente uma forma de alienação, pois não deixamos de ter consciência dos problemas do mundo, só porque paramos para assistir vídeos engraçados de filhotinhos.
A beleza sensível na arte nos impede de cairmos em total desespero.
3) Sofrimento
Todo ser humano sofre. Todos conhecem a dor e a tristeza. Mas existe uma falsa doutrina que prega a alegria e a felicidade a todo custo. A arte pode ser um instrumento para nos lembrar que há um lugar nobre para a dor em nossa própria experiência de vida, para nossa história.
Na arte chama-se “sublimação”, o processo de elevar algo da brutalidade mundana a um nível mais elevado de compreensão. Vemos isso nas obras que retratam a tristeza e a dor, como nos poemas de Augusto dos Anjos, que de forma sensível tocam os leitores, como se compartilhassem o mesmo sentimento. E o indivíduo se percebe não mais sozinho.
4) Reequilíbrio
O ser humano só passou a ver beleza na natureza, nas paisagens do campo e praias, quando as cidades começaram a ficar insuportáveis. Foi com a revolução industrial e o crescimento descontrolado das grandes cidades, que o homem buscou a paz na natureza. A arte desempenha esse papel de resgatar alguns sentimentos, na tentativa de restaurar um equilíbrio. Vemos isso na foto da praia que colocamos sobre a mesa do escritório. No perfume de alguma planta que colocamos dentro do carro. Na tela de paisagem exótica comprada na feira de rua, que fará decoração no apartamento.
Moralmente, a arte também pode resgatar um equilíbrio, nos fazendo lembrar de escritos religiosos ou retratando com horror comportamentos que buscamos evitar e com graça os ideiais que aspiramos ser. É o reflexo que vemos em alguns personagens. A arte nos lembra que somos mais de um. Que temos conflitos internos e que a imagem codificada do que é o ideial nos lembra de buscar um equilíbrio para nossa natureza.
5) Compreensão de si
No fundo, não sabemos bem quem somos e ficamos insatisfeitos com os outros por não nos conhecerem como queremos ser conhecidos. Então, a arte é um instrumento que se revela como um reflexo de nós. Percebemos isso na atenção que colocamos nos objetos ao nosso redor. Aquilo que escolhemos para decorar nossa casa, nossa mesa no escritório e até nossa aparência física, resume, de certa forma, quem somos, como nos conhecemos. Pode não ser muito para definirmos nossa existência, mas já é uma direção para os demais.
6) Crescimento
Somos cheios de preconceitos. Não adianta dizer que não. Somos sim! Somos marcados por experiências ruins e criamos defesas que empobrecem, através de generalizações, nossa experiência com coisas que deveriam ser vistas como bem específicas. A arte muitas vezes nos força a enfrentar esses medos de novas experiências e novas culturas. Um bom exemplo: as reações aos casos de beijo gay nas telenovelas. Ou as pinturas mais abstratas nas galerias que provocam aquela reação de “não entendi, então não gostei”.
A arte ensina que é preciso entender que uma visão negativa ao que é diferente, num primeiro momento, é normal. Depois ela nos faz ver que também é normal entender que os outros podem ser estranhos, diferentes de nós, e que não precisam ser iguais.
Por último a arte nos faz encontrar pontos de ligação entre as culturas. E talvez assim fique mais fácil entender o espírito aristocrático retratado nas obras do século 18 e 19, por exemplo, quando se lê a notícia de um homem que foi humilhado num aeroporto por causa da forma como ele estava vestido.
Muitas vezes rejeitamos experiências e culturas porque elas já nos foram entregues com uma péssima embalagem. É só ver como as notícias ocidentais retratam o Oriente Médio. A arte é um pacote de experiências dos outros, disponível para quem quiser conhecer. E vale lembrar o que disse Terêncio, um dramaturgo romano, “Sou humano. Nada do que é humano me é estranho.”
Nesse sentido a arte é uma ferramenta de crescimento. Mas nem tudo que nos faz crescer já está ao nosso alcance.
7) Apreciação
O ser humano tem um dificuldade enorme em encontrar valor nas coisas que já o cercam. Somos educados a desprezar o trival, o rotineiro e comum. Nos fazem acreditar que as coisas valorosas estão longe e precisam ser alcançadas. “Conquiste a felicidade”, “encontre o grande amor”, e ideias como fama, glamour, espetáculo, acabam ofuscando a beleza das coisas próximas.
A arte pode tirar esse descaso que temos com a trivialidade e recuperar nossa sensibilidade para as coisas simples. Vemos isso em obras que não retratam nada em especial, que apenas nos colocam no lugar do artista observando algo da rotina de uma pessoal qualquer, fazendo uma atividade sem grande impotância. Mas é essa sensibilidade de olhar para o lugar comum e encontrar nele a beleza que vale a pena ser registrada, que o artista busca transmitir.
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