“O que foi que eu fiz? O que eu fui fazer?” Canta o personagem Jack, perto do final do filme, lamentando a cegueira que o levou a estragar o Natal. Cansado de ser quem era, ele tentou ser diferente. Precisou cair para acordar.

“Cair na real.” Por que a realidade se apresenta como dor para quem sonha? Ah. Mas eu não estava sonhando. Estava delirando. Uma febre doentia, cheia de promessas de entorpecimento. Uma droga. Um vício. Uma fuga fácil de uma realidade sem graça e sem propósito.

Eu me perdi. Como um Dante na entrada do Inferno. Pior. Eu esqueci quem fui e quem poderia ser, para me tornar um lixo escondido sob a cama.

Foi preciso a queda para acordar. O encontro com o chão frio e duro de uma realidade. Não a realidade que me entediava, mas uma pós realidade, a que me assusta. A possibilidade de um fracasso tão grande e uma queda ainda maior, tão horrível, que nada neste ou em qualquer outro mundo poderia diminuir.


Estou voltando para a terapia. Desisti de esperar (um ano), pelo atendimento público. Ainda acho que a médica do postinho não me encaminhou para a terapia por causa da religião dela. E agora, véspera de aniversário eu volto a pagar para me consultar na tentativa de exorcizar esses demônios que vivem comigo.

Acho que sei de onde eles vêm. Ainda dói. Ainda dói no peito, no coração. Tem rejeição que não passa.


No trabalho, uma colega foi mandada embora. O tipo de colega, que, acredito, ser a que mais vestiu a camisa da empresa. É chato ver que até o insubstituível é descartável. E o fantasma da demissão reapareceu, mas ele não me assusta mais. Meu pecado é tão grande que não sobra medo para essas trivialidades do cotidiano, como trabalho e demissão. Na real, até com isso eu parei de me importar.


Quinta faço 46 anos. E isso não significa mais nada pra mim.


Sábado bebi absinto novamente. Inventei um drink com ele. Ficou bom.


Acho que não estarei por aqui por muito tempo. O coração, o de verdade, voltou a bater fora de ritmo… acelerado e cansado ao mesmo tempo, como se implorasse para descansar também.