Aquilo que um pensador escreve carrega muito mais do que o sentido de suas ideias impressos nas palavras, pois a forma que ele escolhe para registrar seu pensamento, ou seja, a composição estética de seu texto, também muito nos diz sobre sua filosofia, como é o caso, por exemplo, de algumas obras do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, de acordo com Souza (2008), que encontram nos aforismos um campo fértil para os pensamentos mais profundos.

Dos diversos gêneros textuais que envolvem os escritos filosóficos, o aforismo é um dos que mais permite ao leitor uma maior abertura de interpretações, independentemente do contexto histórico, apesar do significado da palavra originalmente remeter a algo fixo e já demarcado, segundo Marques (2014). Souza (2008), em seu artigo explica que os aforismos tratam de reflexões sobre diversos aspectos da vida, são ensinamentos morais que tocam o homem em sua subjetividade e o fazem apreciar, em suas revelações enigmáticas, o seu próprio destino.

Essa emblemática característica do aforismo, com seus textos abertos e até inacabados, que desafia o pensamento do leitor e o transporta para um plano intuitivo de interpretações, é também associada por Souza (2008), aos poemas em fragmentos da literatura romântica alemã do século XVIII, que por sua vez teriam inspirado Nietzsche. Os aforismos, nas obras do filósofo, refletem a essência de seu pensamento, por sua enigmática forma de abordar as questões da moralidade. Nietzsche, com sua conhecida admiração pelo filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso, chamado de o Obscuro e também por sua teoria sobre o devir, escreve em aforismos um manual para a vida, cuja a interpretação está em constante transformação, adaptando-se à subjetividade e ao contexto do leitor, que com seu entendimento traz para si uma verdade por ele próprio descoberta ao revelar o enigma.

Assim o aforismo permite uma transformação da interpretação, mas sem perder sua essência em significado, proposta pelo autor. Cabe ao leitor a tarefa de desvendar a lição, seguindo um caminho que lhe é particular, mas partindo muitas vezes de um obscuro ponto indicado pelo autor, que por sua vez, faz do aforismo sua assinatura.


Referências:

MARQUES, Carlos Euclides. O domínio discursivo filosófico e alguns de seus gêneros textuais. In: MARQUES, Carlos Euclides; SANTOS, César Frederico dos; SCHIOCHETT, Daniel; ROHLING, Marcos. Discurso filosófico: livro didático. Palhoça: UnisulVirtual, 2014. cap. 2, p. 25-44.

SOUZA, Maria Cristina dos Santos de. O Fragmento ou Aforismo: a expressão do pensamento da natureza tanto para os poetas românticos alemães quanto para Nietzsche. Revista Trágica: Estudos sobre Nietzsche, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 76-83, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://tragica.org/artigos/01/07-maria.pdf>. Acesso em: 21 out. 2014.