No ano de 2014 me consultei com a psicóloga Juliana Alves Santiago, especialista em autismo. Eu buscava mais informações sobre a Síndrome de Asperger, pois em 2012 conheci um cartunista autista, chamado Rodrigo Tramonte, na época eu não tinha conhecimento sobre o assunto e me identifiquei com o comportamento dele no evento de lançamento de uma revista em quadrinhos em que fomos colaboradores. Ele ficou a maior parte do tempo sozinho em seu canto, sem interagir com as pessoas. Eu também. Foi quando comecei a pesquisar sobre o assunto e a me identificar. Procurei a psicóloga Juliana para ver se minhas suspeitas estavam certas.
Foram poucas sessões, por motivos financeiros eu não pude continuar, e no final a psicóloga me explicou que diagnosticar adultos era mais difícil, pois eles aprendem a lidar com as dificuldades e o pouco número de sessões não foi exatamente suficiente para um diagnóstico. Mas ela me deu quase certeza de que eu estaria também no espectro, num grau bem leve, se é que ainda pode-se dizer isso. Ela me recomendou um livro Tudo Sobre Síndrome de Asperger, escrito por Tony Attwood, que me ajudou a tirar muitas dúvidas e compreender melhor o espectro. A partir daí eu acabei me identificando ainda mais e abracei a ideia de ser um autista.
Das características que me identifiquei:
1) Prejuízo na comunicação e interação social.
Eu, desde que me recordo, sempre tive dificuldade em iniciar e manter conversas, e também de ser espontâneo nelas. Quase sempre eu faço ensaios mentais das conversações, imaginando diversas possibilidades de reações que eu e outras pessoas possam ter. E toda antecipação desses encontros ou eventos me deixam um tanto nervoso, no sentido de medo. Ansiedade social, já me foi dito por uma outra psicóloga.
Não me considero alguém sem empatia, mas tenho dificuldade de responder as expressões emocionais dos outros. Fico sem saber como reagir, como por exemplo, quando um amigo meu virou pai e me apresentou o bebê, ou quando um outro amigo anunciou que sua avó havia falecido. Eu sei que um estava feliz e outro triste, mas não consigo reagir como outras pessoas que se encantam com bebês e começam a conversar com a criança fazendo vozes mais finas e caretas, ou então lamentar junto com o amigo de luto a perda dele. Acredito que passo a impressão de ser insensível, mesmo não sendo minha intenção.
Nos períodos em que estive em relacionamentos, nunca consegui ficar à vontade com os familiares e amigos delas. Na intimidade, eu fico bem à vontade, é como se eu fosse outra pessoa ao lidar com apenas uma. Mas em eventos, como almoços em famílias, me sentia “travado”, sem saber como reagir, o que falar e até me sentia atrapalhado com os movimentos das mãos e braços, sem saber onde deixá-los. Nessas ocasiões eu geralmente eu me ocupava em atividades sozinho, como assistir tv.
Eu ainda sinto dificuldade de fazer parte de conversações quando existem mais de uma pessoa com quem eu tenha que interagir. Geralmente deixo as outras pessoas falando e me torno apenas um ouvinte, só participando quando sou solicitado, com perguntas por exemplo. Era assim também na infância, tinha sempre um amigo com quem eu brincava e não sabia lidar com situações em grupo. E sentia ciúme quando meu coleguinha brincava com outras pessoas.
Sempre tive um sentido muito prático para os diálogos: ou eu ensino ou eu aprendo algo. Conversas triviais, como o que a pessoa fez no fim de semana, nunca despertam meu interesse. Hoje penso que isso afeta diretamente minha capacidade de manutenção de amizades. São pouquíssimos os que chamo de amigos e mesmo eles são contatos de uma vez por mês, ultimamente online apenas.
Acredito que perdi oportunidades de relacionamentos por não compreender a intenção dos outros e tenho certeza que já interpretei muito mal, considerado como um afeto maior o que era apenas gentileza.
2) Padrão de comportamento repetitivo e restrito.
Eu não costumo me arriscar em atividades novas, por exemplo, assisto mais de três ou quatro vezes a mesma série de tv. Black Sails, série sobre piratas, estou assistindo pela oitava vez. Séries novas, só quando são recomendadas por críticos que eu acompanho no YouTube, e geralmente de temas que eu sei que estão dentro, ou próximos, do meu gosto pessoal: idade média real ou fantasiosa, pirataria e ficção científica espacial. Tenho o horário entre 18h e 19h, todos os dias, dedicados a assistir um episódio, sempre enquanto janto.
O mesmo vale para a comida, tenho uma lista pequena das coisas que gosto de comer e detesto quando preciso sair dela. E tenho lembranças ruins de quando tentei experimentar sabores novos, como sushi por exemplo, que fiz apenas para tentar agradar uma namorada, na época.
Me apego à segurança que a rotina traz. Costumo usar sempre os mesmos caminhos, fazer compras nos mesmo lugares, quando não posso comprar on-line e fico muito irritado quando as coisas fogem do programado, o que é comum no meu emprego. Quando viajei para o exterior com meus irmãos, os fiz programar todo o roteiro de pontos turísticos que iríamos visitar e fiquei muito irritado quando não seguimos o cronograma.
Uso sempre as mesmas roupas, cores e tipo de tecido. Camisas pretas, vermelhas e brancas, calças jeans e casacos de moletom. Faço isso pela praticidade e agilidade na hora de comprar. Acho um incômodo frequentar lojas. Uso bonés desde a adolescência e meu primeiro óculos escuro ganhei quando tinha 10 ou 11 anos, a claridade me incomoda muito, em todas minhas fotos externas estou de olhos semicerrados.
Passei a adolescência e parte da juventude odiando festas e discotecas, sem saber o porquê, achava que era apenas pelos estilos de música. Sempre gostei mais de rock e metal. Mas percebi que tinha a ver com os espaços lotados e sons muito altos. Nem shows de rock eu gostei de ter ido. E mesmo em eventos com amigos mais próximos, como churrascos de domingo, eu levava materiais de pintura para me ocupar. Fazia o mesmo nas feiras de rua que participei expondo minhas obras. Eu precisava me ocupar com algo que me distraísse e a pintura costumava fazer isso, como num transe.
Minhas brincadeiras na infância eram muitas vezes solitárias, criava histórias, aventuras com os brinquedos. Um hábito que redescobri quando comecei a jogar RPG, mas de forma coletiva. Meus atuais amigos são colegas de jogo, que conheço há quase 20 anos. E o jogo é ainda um dos meus maiores hobbies, junto com o desenho e a pintura. Foi no jogo que fiquei fã de histórias medievais e de ficção.
Na arte, tenho praticamente três temas que retrato, que são: rostos, caveiras e corações. Ondas do mar também têm aparecido nos últimos anos.
Tenho a história da pirataria como um tema preferido atualmente, mas já foi a colonização de Marte. Então compro revistas, livros, filmes, objetos de decoração, jogos etc. que sejam desses temas. E ainda coleciono objetos em forma de caveiras.
Além disso:
- Sempre tive dificuldade em manter contato visual. O nervosismo é tanto que a fala quase não sai. É mais fácil ouvir alguém explicando algo se eu estiver de olhos fechados.
- Ainda tenho dificuldade de entender metáforas e ironias. E sempre preciso que me expliquem uma gíria nova.
- Na pré-adolescência e adolescência ouvi de professores que eu era mais maduro do que os outros da minha idade. Talvez pela literatura esotérica, temas obscuros de magia, que eu gostava muito na época. E por não me interessar pelas coisas que os demais se interessavam.
- Não sei se é uma forma de ecolalia, mas eu ainda invento palavras misturando sílabas aleatoriamente, principalmente quando converso com animais de estimação. E ainda repito frases de personagens de desenhos animados, mas as uso em contexto em que elas fazem sentido.
- Não sei se tem a ver com autismo, mas tenho uma relação estranha com nomes. É raro eu chamar alguém pelo nome, até porque nunca chamo ninguém, eu vou até a pessoa e falo o que precisa ser dito, sem usar o nome dela. E não gosto do meu nome, me sinto irritado quando alguém me chama, pois prefiro que venham até onde estou e falem diretamente.
- Sou chato com a minha organização e me irrito quando tiram algo do lugar. Organizo os objetos na mesa por tamanho, cor e sempre dispostos em ângulos retos.
- Quando criança eu fugia das visitas, me escondia numa sala até irem embora, ou fingia que estava dormindo. Só para não ter que falar com elas.
- Não tenho amigos da minha idade. Fui repetente na quinta e sexta série. Na adolescência eu era sempre 2 anos mais velho do que todo mundo, mas parecia mais novo. Meu atuais amigos estão entre 5 a 20 anos mais novos que eu.
- Acho extremamente irritante sons sobrepostos, tipo alguém conversar enquanto tento ouvir a tv, ou um telefone tocando enquanto estou conversando, ou ainda mais de duas pessoas conversando na mesma sala, em conversas diferentes.
- Quando converso com alguém, mesmo que não precise ser espontâneo, gosto de ficar mexendo em objetos, tipo rodando canetas entre os dedos.
- E mesmo em atividades que gosto, como jogar RPG com meus amigos, eu fico com papel e lápis na mão desenhando.